EX-PREFEITO DE IGUATU, AGENOR NETO, É CONDENADO PELA JUSTIÇA FEDERAL. VEJA SENTENÇA

04/11/2014 18:58

Ex-prefeito de Iguatu, Agenor Neto, é condenado pela Justiça Federal. Veja sentença

Por: Ferreira Jr.

SENTENÇA. TIPO A
PROCESSO N.º 0000854-52.2006.4.05.8101
CLASSE 2 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU: FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES E OUTRO



S E N T E N Ç A


                  1. Relatório
                  Trata-se de Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA., CNPJ 00.400.389/0001-62, e AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO, em virtude de irregularidades constatadas no tocante à aplicação das verbas repassadas ao Município de Icó/CE, decorrente do Convênio 3539/2001, de 31/12/2001, celebrado com a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, tendo por finalidade a construção de Sistemas de Abastecimentos de água em várias comunidades localizadas naquele Município.
                  A ação foi originalmente proposta contra o réu FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, ex-prefeito do Município de Icó/CE, e sua inicial sustenta que por força do aludido convênio foram repassados ao referido Município recursos na ordem de R$ 2.231.278,00, com contrapartida municipal na importância de R$ 247.919,76, não sendo o objeto pactuado integralmente cumprido, vez que as obras apenas parcialmente foram executadas.
                  Afirma o MPF que a prestação de contas final do convênio não foi apresentada ao cabo da vigência do ajuste, o que motivou a inscrição do Município como inadimplente no SIAFI.
                  Ressalta, ainda, que, "com base no Parecer Financeiro referente a análise da documentação, a utilização dos recursos repassados pela FUNSASA em virtude do Convênio nº 3539/01, no valor de R$ 2.231,278,00, foi desaprovada na sua integralidade pelo órgão concedente, com fundamento no não atingimento dos objetivos colimados, considerando que as populações residentes nos locais não foram beneficiadas com a água tratada" (fls. 13/14).
                  Nesse contexto, assevera que as condutas se enquadram como improbidade administrativa, conforme previsto na Lei 8.429/1992, notadamente em seus artigos 9º, XI, 10, XI e 11, I, II e VI, da Lei 8.429/1992, requerendo, assim, a condenação dos promovidos nas sanções do art. 12, I, II e III, do mesmo diploma legal. A inicial veio fartamente instruída (fls. 16/636).
                  Às fls. 640/642 sobreveio petição do autor requerendo o aditamento da inicial, para incluir no pólo passivo os réus CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA. e AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO. Para tanto, sustentou que a pessoa jurídica apontada foi a empresa contratada para execução do serviço de implantação dos sistemas de abastecimento de água, deixando, contudo, de realizar parte considerável da obra, inobstante haver recebido diretamente volume expressivo da verba pública federal. No que se refere ao Sr. AGENOR NETO, esclarece que o promovido, apesar de não mais constar formalmente do quadro societário da Construtora CGA desde janeiro de 2003, era quem de fato comandava a empresa, pois "em diversas ocasiões posteriores (em outubro e novembro de 2003, por exemplo), o promovido continuou endossando os cheques da pessoa jurídica, inclusive firmando em seu verso como se fosse sócio-gerente da empresa (...)".
                  Notificados, os dois últimos promovidos apresentaram a defesa preliminar de fls. 665/668, ao passo que a defesa preliminar do primeiro réu consta às fls. 670/678.
                  A defesa de fls. 665/668 sustenta, em síntese, que a empresa CGA deu a destinação correta ao montante de recursos públicos que lhe foram repassados, aplicando-os na construção dos sistemas de abastecimento de água nas localidades previstas no convênio, não podendo arcar com recursos próprios para concluir a parcela da obra pendente, cabendo ao Município de Icó ter providenciado o repasse do restante do dinheiro necessário à conclusão do serviço contratado. Em razão disso, requereram a rejeição da inicial, à míngua de configuração de qualquer ato de improbidade.
                  Já a defesa do promovido FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES requereu, preliminarmente, a extinção do feito sem julgamento de mérito, alegando não se aplicar aos agentes políticos as regras da Lei de Improbidade Administrativa, sujeitos que estão, exclusivamente, ao regime de crime de responsabilidade. Invocou precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, especialmente o julgamento proferido na Rcl 2138/DF. No mérito, aduziu que a conduta apontada na inicial não se caracteriza como ímproba, mormente porque não demonstrada a má-fé ou o dolo de locupletamento do dinheiro público, o que seria essencial à configuração da improbidade administrativa.
                  A FUNASA afirmou ter interesse no feito (fl. 716).
                  Por meio da decisão de fls. 738/745 a inicial foi recebida, oportunidade em que foi rejeitada a preliminar.
                  Contestação da CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA. e do requerido AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO às fls. 767/773, na qual foi alegada a preliminar de ilegitimidade passiva do réu AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO ante a ausência dos requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré. No mérito, requerem a improcedência do pedido, sob o argumento de que não foram praticados atos de improbidade.
                  Contestação do réu FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES às fls. 778/803, requerendo a improcedência do pedido.
                  Réplica do MPF às fls. 809/816.
                  Réplica da FUNASA às fls. 819/820.
                  Por meio da decisão de fl. 834, foi deferida a produção de prova pericial requerida pelos réus. A análise da produção de prova testemunhal ficou condicionada ao exame da suficiência da prova pericial.
                  Laudo pericial acostado às fls. 947/1193, Volumes 5 e 6.
                  Parecer do assistente técnico, indicado pela CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA., às fls. 1208/1354 do Volume 7.
                  As partes apresentaram manifestação acerca do laudo pericial.
                  O réu FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES afirma que o laudo foi omisso em vários pontos, não refletindo a realidade da obra, razão pela qual requer o esclarecimento do perito em audiência e o deferimento da prova testemunhal (fls. 1356/1358).
                  A CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA. e o requerido AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO pugnaram pela a) observância do art. 435 do CPC, no sentido de que o perito preste esclarecimentos em audiência; b) oitiva de testemunhas; c) apresentação de alegações finais após a conclusão da instrução.
                  Memoriais finais do MPF às fls. 1367/1376.
                  Memoriais finais da FUNASA às fls. 1379/1380.
                  É o relatório.
                  Decido.
                  
                  2. Fundamentação
                  Não caracteriza cerceamento do direito de defesa o indeferimento do pedido de oitiva do perito para a prestação de esclarecimentos em audiência, quando constatado que o laudo pericial reúne, de forma satisfatória, as informações necessárias à elucidação do objeto controvertido. Na espécie, a prova documental é farta. Além disso, as partes apresentaram sobre as questões de fato pareceres técnicos e documentos elucidativos considerados suficientes para o julgamento da demanda, nos termos do art. 427 do CPC, tais como Parecer Técnico elaborado pela FUNASA em processo de Tomadas de Contas Especial (fl. 482/634 do Volume 3), Relatório da Equipe de Fiscalização da CGU (fls. 197/230, Volume 1) e Parecer do assistente técnico indicado pela CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA. (fls. 1208/1354 do Volume 7).
                  De toda forma, a prova pericial foi deferida em atenção ao direito de defesa dos demandados. Contudo, a oitiva do perito se mostra desnecessária.
                  Por meio da decisão de fl. 834, a análise da produção de prova testemunhal ficou condicionada ao exame da suficiência da prova pericial. Conforme mencionado acima, o laudo pericial reúne, de forma satisfatória, as informações necessárias à elucidação do objeto controvertido, não havendo necessidade de oitiva de testemunhas.
                  Com efeito, a imputação é de inexecução do objeto conveniado, inobstante tenha ocorrido repasse e os respectivos pagamentos. A prova testemunhal não seria idônea a comprovar a veracidade da acusação, sobretudo quando a robustez do laudo pericial é plenamente satisfatória.
                  Ademais, conforme despacho de fl. 1195, as partes tiveram oportunidade de se manifestar sobre todo o arcabouço probatório juntado aos autos, não havendo que se falar em cerceamento de defesa.
                  Passo ao julgamento do mérito da demanda, haja vista que a preliminar levantada já fora rejeitada por ocasião do recebimento da inicial, que reconheceu presentes as demais condições da ação e pressupostos processuais.
                  A Carta da República de 1988, no art. 37, caput, dispõe que a Administração Pública Direta e Indireta deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, ponderando, ainda, no §4º, que:
                  
"Os atos de improbidade administrativa importarão à suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, da forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."
                  
                  Na doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Fredie Didier Jr., atos de improbidade administrativa, presentes entre os atos de imoralidade, são:
                  
"aqueles praticados pelos agentes públicos, com desonestidade (má-fé e dolo), que importem em enriquecimento ilícito, causem prejuízo ao erário e que, independentemente do prejuízo, atentem contra os princípios da administração".1
                  
                  Portanto, para haver improbidade é necessário que a conduta do agente público venha a vulnerar a moralidade administrativa, em seu sentido amplo, tendo em vista que a improbidade consiste, em suma, em uma imoralidade qualificada, que agride não somente o princípio da moralidade propriamente dito, mas também o princípio da probidade administrativa como um todo.
                  Para Alexandre de Moraes, "o ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que, no exercício indevido de suas funções, afasta-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens imateriais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções....".2
                  Fixadas tais premissas, passa-se à análise do presente caso.
                  Verifico que em 31/12/2001, o requerido FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, exercendo o cargo de Prefeito Municipal de Icó/CE, assinou o Convênio 3539/2001, firmado entre o Município e a Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, tendo por objeto a construção de sistema de abastecimento de água no Município de Icó/CE (fls. 259/266), mais especificamente nas seguintes comunidades:
Sítio São Bento, Sítio Maia, Sítio Oitis, Sítio Várzea Grande, Sítio Baixio da Roncadeira, Sítio Barra do Rio, Sítio Cruzeirinho, Sítio Cipó, Sítio Galego, Sítio Santa Maria, Sítio Alto da Várzea dos Gonçalos, Sítio Saco - Lima Campos, Sítio Extrema, Sítio Palmares, Conjunto Gama, Setor Oeste, Sítio Forquilha - Lima Campos, Genipapeiro, Sítio Salgadinho, Sítio São Luis, Distrito Cascudo, Sítio São João e Distrito do Canto.
                  O valor total do projeto pactuado, na ordem de R$ 2.479.197,76, seria composto de recursos da FUNASA no montante de R$ 2.231.278,00 e de contrapartida do Município de Icó, na importância de R$ 247.919,76.
                  No decorrer do prazo de vigência do convênio, a FUNASA liberou o valor total de R$ 2.231.278,00, por meio das seguintes ordens bancárias:
                  
ORDEM BANCÁRIA
NÚMERO
DATA
VALOR
003727
29/04/2002
R$ 557.819,50
006416
10/06/2002
R$ 557.819,50
014487
26/12/2002
R$ 557.819,50
002117
07/04/2003
R$ 185.940,00
002514
25/04/2003
R$ 185.940,00
003934
26/06/2003
R$ 185.939,50
VALOR TOTAL
R$ 2.231.278,00

                  O Ministério Público Federal afirma que o gestor não apresentou a prestação de contas final, razão pela qual foi realizada uma visita técnica in loco pela FUNASA. Extrai-se do relatório de Visita Técnica datado de 23/05/2005 que as obras não foram executadas em sua totalidade (fl. 481 do Volume 3).
                  Com efeito, o Parecer Técnico elaborado pela FUNASA, em processo de Tomadas de Contas Especial (fl. 482/634 do Volume 3), aponta que foram executados apenas 47,92% dos serviços constantes do plano de trabalho do convênio, além de informar a má qualidade da obra efetivada, com comprometimento da qualidade da água fornecida à população.
                  A perícia judicial também constatou que o convênio não foi executado em sua integralidade (fls. 947/1193, Volumes 5 e 6). Em algumas localidades o perito deste juízo verificou que algumas instalações são oriundas de outros convênios e programas. "No Distrito Cascudo, verificamos que o reservatório elevado atualmente em operação e a casa de proteção foram instalados pelo Governo do Estado do Ceará, através do projeto São José. No conjunto NH2, o reservatório elevado utilizado pela comunidade foi erigido pelo DNOCS", respondeu o perito à fl. 952.
                  O perito apresentou ainda o resumo geral do convênio. Na hipótese, comprovou-se o cometimento de atos de improbidade causadores de dano ao erário na medida em que os réus deixaram de aplicar parte dos valores transferidos ao município pela FUNASA, tendo as obras alcançado apenas 81,40% do que fora proposto no Plano de Trabalho (fl. 957).
                  Diversas irregularidades nessas obras já haviam sido constatadas pela CGU, conforme documento acostado às fls. 197/230, Volume 1. De fato, a Equipe de Fiscalização da CGU destacou em seu relatório vários serviços previstos que não foram executados.
                  Importa ressaltar que, diante da total inexistência de elementos de prova em contrário, as irregularidades apontadas na execução desse contrato milionário referem-se, sobretudo, ao período em que a municipalidade foi gerida pelo demandado FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES.
                  Conforme ressaltado pelo representante do MPF, "se houvesse a devida fiscalização, a improbidade não teria acontecido, ou teria sido pormenorizada, falta esta que se traduziu em dano, qual seja, recursos apenas parcialmente aplicados, assim objeto parcialmente executado, e beneficio de obra quase nulo. O sistema de abastecimento de água tem qualidade boa em apenas 2 distritos da municipalidade, regular em 8 e ruim em 11, chegando ao alarmante ponto do Distrito Cascudo, como constatado pela pericia, da água se mostrar com mau cheiro".
                  Por oportuno, esclareça-se que a possibilidade de o sistema de abastecimento estar em funcionamento atualmente é irrelevante para o deslinde do presente caso, vez que pode ter sido concluído em momento posterior, e com verbas estranhas ao convênio da FUNASA. De toda forma, o perito concluiu que o sistema funciona parcial e precariamente, conforme se observa nas fotografias acostadas no laudo e respectivos comentários.
                  Nesse contexto, existe nos autos provas suficientes da malversação de parte das verbas oriundas da FUNASA, na medida em que não foram aplicadas aos fins aos quais se destinavam.
                  Grande parte dos recursos foram depositados nas contas bancárias da empresa CGA ou nas contas indicadas pelo então sócio-gerente AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO (planilhas de fls. 194/195). O réu AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO deixou o quadro social da empresa no mês de janeiro de 2003, quando passou a exercer o mandato de deputado estadual. Contudo em diversas ocasiões posteriores (outubro e dezembro de 2003) o promovido continuou endossando os cheques da pessoa jurídica, inclusive firmando no seu anverso como se fosse o administrador da empresa (fls. 51/52). Ou seja, AGENOR NETO continuou com o principal responsável pela empresa, mesmo após sua exclusão do quadro social, o que atrai sua responsabilidade para suportar o ônus da imputação que lhe é feita.
                  A CGA foi contratada para a execução do serviço e deixou de realizar parte muito considerável da obra, 18,60% de um contrato milionário, conforme laudo pericial, apesar de ter recebido o repasse necessário do valor contratado. Por outro lado, AGENOR NETO e a empresa receberam diretamente um volume bastante expressivo da verba pública federal.
                  De notar-se que, a partir da teoria da realidade técnica, confere-se às pessoas jurídicas a capacidade de aquisição e exercício de direitos, capacidades para a prática de atos e negócios jurídicos. Se o sócio da pessoa jurídica atua de maneira determinante para a prática de ato de improbidade, representando a empresa beneficiária, concorrendo para o ato e beneficiando-se pessoalmente, deve ser mantido no polo passivo da demanda.
                  Conforme ressaltou o representante do Ministério Público Federal, não há qualquer comprovação de que a empresa CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA. haja sido contratada após regular licitação, já que os documentos relativos ao certame não foram encaminhados à FUNASA nem constam do arquivo da Prefeitura municipal de Icó, conforme informação da Controladoria Geral da União (fls. 197/230, Volume 1). Nem mesmo a sede da empresa foi localizada no endereço informado.
                  Dessa forma, não restam dúvidas de que houve prejuízo ao erário. A construtora e seu sócio-gerente, ainda que oculto, foram remunerados com a verba pública, contudo não houve a correta e completa execução do objetivo do convênio, ou seja, a aplicação foi irregular. O prefeito, por sua vez, liberou verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes, agindo com desprezo no que diz respeito à conservação do patrimônio público.
                  Quanto aos dois últimos promovidos AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO e CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA., por terem sido os responsáveis pela execução dos serviços contratados, tem-se que suas condutas revelam-se indissociáveis da conduta do réu FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, enfeixando um contexto fático único.
                  Enquanto isso, a população se viu privada de tão relevante serviço em razão da imperfeita consecução do objetivo do convênio (abastecimento de água). Esses fatos revelam a insensibilidade dos réus aos reclamos da população.
                  O assistente pericial designado pela parte ré afirma que a obra foi executada no total de 91,4% (fl. 1214). Ocorre que esse percentual maior de cumprimento da obra se encontra isolado dentro do conjunto probatório dos autos, haja vista que existem três documentos atestando que o percentual é menor, quais sejam, relatório da CGU (fls. 197/230, Volume 1), Parecer Técnico elaborado pela FUNASA, em processo de Tomadas de Contas Especial (fl. 482/634 do Volume 3) e laudo da perícia judicial, o qual deve prevalecer, por ter sido elaborado de forma imparcial, inclusive por ter atestado também a qualidade do abastecimento de água, que se revelou ineficiente, sendo ruim na maioria dos distritos, chegando a água a ter odor em alguns deles.
                  No caso em testilha, no entanto, diante do descaso mostrado com o dinheiro público, está evidente que o ex-prefeito, no papel de administrador público, deixou de agir em conformidade com os interesses da coletividade.
                  Tenho, pois, que os demandados praticaram, de forma dolosa, atos de improbidade previstos no art. 10, caput (atos que causam prejuízo ao erário), e inciso XI (liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular), da Lei 8.429/1992.
                  
                  2.1. SANÇÕES PELOS ATOS DE IMPROBIDADE
                  Nesse passo, ante a densidade do conjunto probatório, conclui-se que os réus FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO e CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA. praticaram atos de improbidade administrativa causadores de prejuízo ao erário, tendo em vista que possibilitaram a liberação de verbas públicas federais sem a necessária concretização dos serviços contratados, incidindo ainda na sua irregular aplicação, conduta esta que melhor se enquadra no art. 10º, XI, da Lei 8.429/1992, a saber:
                  
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(...)
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
                  
                  Diante de tal cenário, impõe-se reconhecer a responsabilização dos promovidos pelo ato de improbidade apontado, com a consequente imposição das sanções descritas no art. 12, II, da Lei 8.429/1992.
                  Desse modo, definida a responsabilidade dos réus, nos termos da Lei 8.429/1992, cumpre estabelecer as sanções cabíveis no caso concreto, nos moldes do que dispõe a Lei de Improbidade:
                  
Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
(...)
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
                  
                  É imperioso ter em mente os precedentes emanados do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, orientando a aplicação das penas na exata proporção da gravidade dos atos praticados. Nesse sentido, veja-se:
                  
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA. APLICAÇÃO DA PENA. INVIABILIDADE DA SIMPLES DISPENSA DA SANÇÃO. 1. Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração, individualizando-as, se for o caso, sob os princípios do direito penal. O que não se compatibiliza com o direito é simplesmente dispensar a aplicação da pena em caso de reconhecida ocorrência da infração. 2. Recurso especial provido para o efeito de anular o acórdão recorrido.
(STJ - RESP 513576, 1ª T, Rel. Min.  Francisco Falcão, DJ 06/03/2006, p. 164)
                  
                  Com efeito, na imposição das sanções cominadas na lei em realce, deve o juiz atender ao determinado no parágrafo único do seu art. 12, que estatui:
                  
Art. 12 (...)
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
                  
                  Do cotejamento das provas que instruem os autos, aliado às razões expostas, tem-se como adequada e proporcional a condenação dos réus FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO e CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA., solidariamente, ao ressarcimento aos cofres da FUNASA do prejuízo causado, que alcançou o montante de R$ 437.715,26 (correspondente a 18,60% dos recursos repassados e não aplicados na execução do objeto), não atualizado (fl. 957 do Volume V). Na ação de improbidade, de natureza sancionatória, não há que se falar em devolução integral do dinheiro do convênio, haja vista que a obra foi parcialmente executada.
                  A sanção de ressarcimento integral do dano é obrigatória. É o mínimo que o Estado e a sociedade requer. O STJ entende que o ressarcimento dos danos não seria uma pena, mas uma obrigação decorrente do dever de reparar, o que leva à necessidade, em princípio, da cumulação desta obrigação com alguma das demais penas (REsp. 1.019.55-SP).
                  Quanto às sanções não pecuniárias, em relação ao réu FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos por 5 anos e pagamento de multa civil no valor do dano (R$ 437.715,26) se justificam no caso, tendo em vista que a conduta do réu deve ser reprimida com o seu afastamento da vida pública, evitando que novas ilegalidades sejam praticadas.
                  Por sua vez, em relação a AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO aplica-se a pena de suspensão dos direitos políticos por cinco anos, pagamento de multa civil no valor do dano (R$ 437.715,26) e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
                  Por fim, em relação à empresa CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA., aplica-se também a pena de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritário, pelo prazo de cinco anos.
                  
                  3. Dispositivo
                  Ante o exposto, rejeito as preliminares e julgo parcialmente procedente o pedido, para, com fundamento nos artigos 10, XI, e 12, II, da Lei 8.429/1992, condenar FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES, AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO e CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA., solidariamente, ao ressarcimento do dano, no valor de R$ 437.715,26, que deverá ser atualizado pela Taxa Selic, a partir do evento danoso, nos termos do artigo 406 do Código Civil de 2002 e Súmula 54 do STJ (Corte Especial do STJ, Embargos de Divergência 727842 - SP, de 20/11/2008), a ser revertido em favor da FUNASA (art. 18 da Lei 8.429/1992).
                  Condeno ainda os réus nas seguintes sanções não pecuniárias:
                  FRANCISCO LEITE GUIMARÃES NUNES
                  a) perda da função pública;
                  b) suspensão dos direitos políticos por 5 anos;
c) pagamento de multa civil no valor do dano (R$ 437.715,26), devendo ser atualizado, a partir do evento danoso, com base na taxa SELIC.
                 
AGENOR GOMES DE ARAÚJO NETO
                  a) suspensão dos direitos políticos por cinco anos;
b) pagamento de multa civil no valor do dano (R$ 437.715,26), devendo ser atualizado, a partir do evento danoso, com base na taxa SELIC;
c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

CGA - CONSTRUTORA GOMES DE ARAÚJO LTDA.
a) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
                  A suspensão dos direitos políticos só se efetiva com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20 da Lei 8.429/1992).
                  Custas nos termos da Lei 9.289/1996. Sem honorários.
                  Com o trânsito em julgado, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de suspensão dos direitos políticos dos condenados, providenciando-se, ainda com o cadastramento deste processo na página do Conselho Nacional de Justiça - CNJ na internet, no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa.
                  Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
                  Iguatu/CE, 16 de outubro de 2014.
                  
JOÃO BATISTA MARTINS PRATA BRAGA
Juiz Federal da 24ª Vara, respondendo pela 25ª Vara
(Ato n. 606/2014-CR/TRF 5)
1 In Procedimentos especiais cíveis: legislação extravagante. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 1140.
2 MORAIS, Alexandre. Constituição Brasileira Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002.
                                    
JUSTIÇA FEDERAL
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ
25. ª VARA - SUBSEÇÃO DE IGUATU/CE

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